quarta-feira, 30 de julho de 2014

Reflexões sobre o mercado do bezerro x boi gordo


Risco. Um elemento adicional que um amigo me lembrou foi a questão do risco. Apesar da cria ter tradicionalmente uma rentabilidade mais baixa, ela também tem um risco mais baixo. Essa pode ser uma boa explicação do motivo de muitos produtores preferirem atuar na produção de bezerros ou até mesmo ciclo completo, do que ter que incluir o risco de compra no seu negócio. Por exemplo, quem comprou bezerro esse ano a preços altos de alguma forma está correndo risco pois não tem ainda definido o preço de venda do seu gado gordo em 2015 ou 2016.

40% de ágio. Citei o dado do Marcelo Pimenta da Exagro, mas gostaria de ter acesso a outras simulações. Se você concorda ou discorda desse patamar de equivalência, comente esse artigo. Levando em conta que o valor é esse mesmo, ou seja, é preciso que o bezerro tenha 40% de ágio sobre o preço do boi gordo para ter a mesma rentabilidade, o que podemos esperar desse mercado?

Minha leitura é que a tendência é termos ágio no preço do bezerro mais próximo dos 40% e mais distante dos 16%, valor médio dos últimos 10 anos. A explicação é que toda vez que o ágio estiver abaixo de 40%, o criador tem um estímulo econômico para sair da cria, ou começar a fazer ciclo completo. E com isso a relação demanda-oferta de bezerros tende a pressionar por preços mais altos. Meu recado é: se prepare a pagar um ágio entre 30-40% do preço do boi gordo, ou até mais, ou opte por entrar na cria.

Uma das alternativas para um cenário como esse é que o recriador-engordador vai precisar descobrir novas formas de ganhar dinheiro, mesmo comprando um bezerro bem mais caro que a média dos últimos 10 anos. Isso não é impossível, e a maioria dos países já vive isso há anos. Uma saída é vender animais com peso de abate mais elevado. Em especial, se você tiver acesso a técnicas de manejo de pasto, suplementação, semi-confinamento e confinamento. E principalmente se a relação de preço entre o milho e o boi gordo continuar favorável, como está hoje em dia. Quanto mais barato o milho estiver em relação ao boi gordo e ao bezerro, maior o estímulo para se suplementar / confinar, e se abater com pesos mais altos.

Maior qualidade. O aumento dos preços do bezerro e do ágio em relação ao boi gordo estimulam um outro fenômeno. A medida que se torna economicamente mais vantajoso investir na cria, mais produtores de alta performance vão se interessar pela atividade. E com isso se aumenta a produção, mas também se aumenta a qualidade. Preços mais altos representam a oportunidade de se produzir mais bezerros de alta qualidade, com uso de melhor genética, manejo e suplementação.

Comercialização. Minha visão é que a medida que os preços aumentam, e também aumenta a variação de qualidade do produto bezerro, os melhores produtores de bezerros e também os melhores compradores vão buscar formas mais efetivas de comercialização. Acredito que vender por kg de peso vivo é muito mais eficiente e transparente do que se vender por cabeça. Acredito que isso faz muita diferença.

Além disso, a tendência é se vender com mais informações. Por exemplo: qual é a genética, vacinas, qual foi a suplementação pré-desmama, etc. Animais com genética melhoradora criados com creep-feeding são excelentes para sistemas de produção de alta intensificação, mas podem ser um mal negócio para fazendas com pastos degradados.

Há um projeto iniciado esse ano no RS com consultoria do Fernando Velloso, de leilões virtuais pelo canal rural, com muito mais informações por lote do que estamos acostumados. É uma iniciativa muito interessante e alinhada com o que vimos de mais moderno nesse quesito nos EUA e no Uruguai.

Outra avaliação lembrada por nossos leitores é que olhar apenas a relação de troca pode te levar a decisões erradas. Qual é o melhor bezerro: um de baixa qualidade, baixo peso e baixo preço, que dá uma relação de troca melhor, ou um bezerro de genética de ponta, criado com suplementação e pronto para entrar num confinamento, mas com preço bem mais alto, o que gera uma relação de troca mais baixa. Ao focar apenas no preço por cabeça e relação de troca, você teoricamente poderia até comprar um bezerro de pior qualidade e com preço maior por kg de peso vivo, mas com boa relação de troca.

Para finalizar, relembro uma conversa que tivemos no Workshop do BeefPoint de Gerenciamento de fazendas de gado de corte do ano passado, onde perguntei a inúmeros consultores presentes na sala, quais tinham, num passado recente, sugerido a seus clientes que não faziam cria, que começassem a criar. Todos disseram que vinham fazendo justamente o contrário, e a única exceção foi um consultor amigo meu de longa data que lembrou de um projeto montado apenas com cria. Escolha baseada numa premissa do cliente, que queria não o negócio mais rentável, mas o projeto com menor risco. A fazenda era de um grupo de outro setor que queria diversificar em pecuária, e o foco era preservação de capital, e não alta rentabilidade.

Em resumo, minha análise é:
1- se o ágio que equipara a rentabilidade da cria com recria-engorda está na casa dos 40%, espere preços do bezerro com ágio mais próximos de 40% do que 16%.
2- maior preço do bezerro tende a significar mais investimentos na cria, e crescimento da oferta de bezerros de alta qualidade, mas não espere que esses criadores mais tecnificados e que fazem mais conta, aceitem uma rentabilidade muito menor do que o elo seguinte da cadeia. Produtores focados em rentabilidade não ficam num negócio pouco rentável por muito tempo, mudam de atividade.
3- a valorização da cria deve aumentar a velocidade de modernização da comercialização de bezerros no Brasil.

Miguel Cavalcanti
BeefPoint

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