Assim, é de se esperar daqueles que têm a obrigação por zelar por essa conquista da pecuária brasileira uma conduta que, entre arriscar na omissão e tomar decisões fortes, opte pela segunda. Isso ocorreu no finzinho de maio deste ano, quando o Ministério da Agricultura proibiu fabricação, venda e uso de avermectinas de longa ação (ALA) com concentração acima de 1% deste princípio ativo (PA) [1]. As ALAs protegem animais de parasitos por até 155 dias, mas exigem maior período de carência (acima de 35 dias).
Esta proibição foi feita em resposta às repetidas ocorrências de resíduo acima do permitido na carne industrializada exportada para os EUA, que, apesar de representar apenas 3,4% do faturamento da exportação do setor, poderia desencadear problemas de venda para outros mercados. Além disso, exatamente neste momento, estão sendo realizados esforços para a liberação de exportação para os EUA de carne brasileira in natura.
Esse problema começou a partir de 2010, quando os EUA reduziram o limite máximo de 100 ppb (medido no fígado) para 10 ppb (medido no músculo). Após essa alteração, lotes que antes entravam normalmente, começaram a ser considerados fora de conformidade e devolvidos. O valor de 100 ppb é o limite máximo recomendado pelo “Codex Alimentarius” que é a referência usada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para coibir abusos em barreiras não-tarifárias, isto é, barreiras de acesso ao mercado que não tenham fundamentação técnica.
Em entrevista à revista DBO, o Prof. João Palermo Neto, da USP, explicou que não existe metodologia para medir o resíduo no conteúdo da lata e que, como nela há mais gordura, que é exatamente a porção onde as avermectinas se acumulam, o valor limite deveria ser mais alto. Reforçando essa questão, o limite exclusivamente para a gordura é 30 ppb, ou seja, três vezes maior que no músculo. Em função destas questões, o Brasil vem (há algum tempo) questionando, sem sucesso, esses critério usado pelos EUA para barrar a carne processada brasileira.
O problema está ligado, especialmente, às avermectinas de longa ação (ALA) por falta de se respeitar devidamente o período de carência. A carência é diferente para cada produto em função do PA e, também, da sua formulação.
Para animais terminados em confinamento, não há necessidade do uso de ALA, pois, uma vez que os animais ficam no ambiente sem pastagem, o ciclo dos vermes não se completa. Mesmo para bovinos terminados em pastagem que tenham idade superior a 20 meses de idade, podem ser usadas avermectinas 1% ou outros PA também com período de carência reduzido, uma vez que os animais adquirem imunidade e são muito menos parasitados. Segundo meus colegas da sanidade, há, inclusive estudos em que animais com idade acima de dois anos terminados a pasto não houve efeito de tratamentos anti-helmíntico.
Ainda assim, há vantagem em se ter a ALA. Isso porque a vermifugação estratégica da Embrapa, utilizando avermectinas 1% ou outros PAs, em Maio-Julho-Setembro (5-7-9), ainda é o padrão de vermifugação vigente. Para quem utiliza esse sistema, não ter a opção de usar ALA é ruim, pois deixa-se de poder pular o mês 7. Assim, além das três dosagens mais baixas custarem mais, gasta-se mais com a mão-de-obra.
Abaixo, um exemplo de gasto nas duas situações, considerando um bezerro de 200 kg[2]:
1) Vermifugação estratégica com ALA – 2 dosagens (maio-setembro): R$ 3,27
2) Vermifugação estratégica sem ALA - 3 dosagens (maio-julho-setembro): R$ 3,52
Portanto, há um aumento de custo, considerando apenas o medicamento, de quase 8%. Além disso, a ALA permite que sejam aproveitados os manejos de vacina da aftosa para fazer a vermifugação, o que tem enorme importância prática.
Para evitar o resíduo fora dos padrões na carne, mais informação aos usuários pode ajudar. Assim, ampliar a divulgação das melhores práticas de uso de cada produto é algo a se intensificar, ainda que isso funcione apenas se sensibilizar e contar com a adoção pelos pecuaristas. Também, especialmente enquanto durar a proibição, reforçar o controle conta a invasão de produtos clandestinos, especialmente no de estados fronteiriços, é fundamental.
Concluindo, se os produtos disponíveis hoje fossem usados corretamente, em especial com relação ao período de carência, não haveria o problema. Enquanto vigorar a proibição, o grande prejuízo é com a necessidade de maior manejo e gastos com produto para as categorias mais jovens, para os quais, seria uma boa ideia a flexibilização da proibição. Mas, ainda mais importante, é que a cadeia da carne aproveite essa crise para se aprimorar em todos os pontos colocados em xeque e, cada vez mais, ficar robusta para outras crises de comercialização que, certamente, teremos que enfrentar.
Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, agrônomo com mestrado (1992) e doutorado (2002) pela ESALQ/USP, especialista em nutrição animal, atuação em pesquisa com os seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável. Nas horas vagas, toca violino e, de atividade física, nada! sergio.medeiros@embrapa.br
[1] Esse texto aproveitou para o seu conteúdo bastante de um debate interno na Embrapa Gado de Corte em que o Dr. João Batista Catto, pesquisador em parasitologista da Unidade, relatou um debate sobre o tema ocorrido também na Embrapa Gado de Corte e que pode ser assistido em http://www.sba1.com/noticias/40028/assista-o-debate-sobre-a-proibicao-das-avermectinas-no-rebanho-bovino#.U9PklvldXz6
[2] Agradeço ao Dr. João Bastista Catto por esses dados e mais a revisão do conteúdo técnico do texto
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